Imagine uma disputa entre um automóvel da Ferrari, que segundo seu fabricante pode alcançar 380 km/h, contra uma velha carroça puxada por alguns cavalos: por mais que o piloto da carroça chicoteie seus animais, fica fácil prever quem alcançará primeiro a linha de chegada.
É exatamente esta a imagem de que necessitamos para tentar entender o desafio de nossos legisladores para conseguir alcançar os avanços sociais: por mais que se tente, as leis sempre andarão alguns quilômetros atrás das demandas da sociedade por novas regras e fórmulas para regular os conflitos entre os diversos atores do palco mundo.
As relações entre os trabalhadores e os empregadores não são exceção e uma “novidade” de que você ouvirá falar bastante nos próximos dias é o “ponto por exceção”. Com breves palavras explicaremos abaixo o que isto significa e o que isto pode ter a ver conosco.
Existe um Artigo da CLT–Consolidação das Leis Trabalho, que assim determina: “Para os estabelecimentos de mais de dez trabalhadores será obrigatória a anotação da hora de entrada e de saída, em registro manual, mecânico ou eletrônico”.
Isto significa, portanto que, “sob a chuva, ou sob o Sol”, em todos os dias de trabalho, os funcionários/empregados, precisam registrar o horário em que chegam ao trabalho e o horário em que encerram seu expediente. Como consequência disto, o empregador deve contratar alguém que acompanhe todos estes controles de jornada e cuide para que fiquem devidamente arquivados por muitos e muitos anos.
Convenhamos, é uma trabalheira insana e, em regra, uma vez arquivados estes registros jamais tornarão a ser utilizados, pois em 99,9% dos casos, os trabalhadores cumprem sua jornada, chegando e saindo de seu local de trabalho no horário combinado com seu empregador.
Existem exceções? Certamente, mas ocorrem tão raramente que alguns sindicatos que representam os patrões e os empregados decidiram que o registro passaria a ocorrer APENAS QUANDO OCORRESSE A EXCEÇÃO, ou seja, quando o empregado/funcionário faltasse, chegasse atrasado, ou precisasse sair mais cedo. Chegou e saiu no horário combinado? Não há necessidade de realizar qualquer registro.
Surgiu aí, a “marcação de ponto por exceção”, de fácil compreensão manuseio.
Porém, como as relações entre os empregadores e os empregados/funcionários são sempre muito delicadas, começaram a surgir conflitos e a discussão chegou ao Poder Judiciário com trabalhadores exigindo horas extras, alegando que teriam laborado horas extras em alguns dias, mas não registradas em seus controles de jornada.
Os juízes e desembargadores se dividiram, até que a discussão chegou ao Tribunal Superior do Trabalho onde, em julgamento ocorrido em abril de 2019, os ministros concluíram que a “marcação do ponto por exceção”, quando prevista nas convenções coletivas de trabalho, é perfeitamente admissível, e legal. Clique aqui para ler a íntegra do acórdão: encurtador.com.br/rLS36
É neste contexto e, portanto, “na rabeira” dos acontecimentos, que o legislador decidiu se mexer: através da Medida Provisória n. 881/2019, mais conhecida como MP da Liberdade Econômica, e prestes a se tornar Lei, as empresas que têm menos de vinte empregados poderão dispensá-los de registrarem suas jornadas e aquelas que têm mais de vinte trabalhadores, poderão adotar a marcação do ponto por exceção.
Porém, podemos assegurar que esta modificação na legislação não pode ser vista como um “liberou geral”:
Recomendamos que tanto os trabalhadores como os empregadores continuem atuando com o profissionalismo e correção que é a marca registrada de quem lê os nossos textos: horas extras devem ser evitadas, pois todos precisamos de descanso para continuarmos saudáveis, produtivos e preferencialmente vivos. Porém se forem trabalhadas adicionalmente, devem ser rigorosamente honradas, quer o empregador utilize o registro de ponto convencional, ou a marcação por exceção.
Afinal, quando você faz a coisa corretamente não tem como dar errado, afinal, já está comprovado que “a verdade nos libertará”, sempre…
Ismael Cristo é Mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC de São Paulo, professor em programas de graduação e pós graduação e advogado no escritório Cristo Constantino E Advogados Associados.
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