Estamos nos separando… Com quem ficará nossos PETS?
Posso fazer um testamento deixando meu “filho” de 04 patas como herdeiro??
De acordo com a Associação Brasileira de Indústria de Produtos para Animais de Estimação (Abinpet), o Brasil tem a 4º maior população de animais de estimação do mundo. Dos 132,4 milhões de animais, 52,2 milhões são de cachorros e 22,1 milhões são de gatos.
Para se ter uma ideia do que isto significa, o mercado pet no Brasil é o 3º maior do mundo em faturamento. Ele somou 20,3 bilhões no último levantamento da associação, realizado no ano passado.
Além disso, outra mudança expressiva na sociedade brasileira, é que atualmente há uma mudança demográfica no país que favorece o crescimento dos lares com animais de estimação, já que existem casais com menos filhos e um aumento considerável na longevidade dos idosos, características que aumentam a demanda por um animal de estimação.
Estima-se que existam mais de 28 milhões de lares brasileiros com um ou mais cães.
Um levantamento feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), realizado em 2013, mostrou que, de cada 100 famílias brasileiras, 44 criam cachorros, enquanto apenas 36 têm crianças. No total, são 52 milhões de cãezinhos para 45 milhões de pequenos humanos.
E não é exagero nenhuma dizer que os bichos deixaram de ser de “estimação” para se tornarem membros da família e serem criados como verdadeiros filhos pelos humanos.
Os pets passaram a ser uma escolha cada vez mais frequente de casais que optam por não terem filhos ou por tê-los numa etapa mais “tardia” da vida.
Outro fator que influencia no aumento exponencial da população de bichinhos de estimação é o crescimento do número de idosos. A “lacuna” deixada pela ausência de filhos – ou pelos adultos que já saíram de casa, no caso de casais idosos – passou a ser preenchida por cães, gatos, calopsitas e outros animais de diversas espécies.
Assim, os pets viraram verdadeiros filhos que, além de terem seu próprio cômodo, caminha, roupinhas e outros itens, recebem o afeto e a carga emocional que um filho humano receberia.
Hoje usamos para definir estas novas relações familiares como famílias multiespécie.
Segundo a Associação Brasileira da Indústria de Produtos para Animais de Estimação (ABINPET), pet food (alimentos para animais) representa 67,3% do faturamento do setor. Em seguida, estão os segmentos de serviços, como banho e tosa, com 16,8%; pet care (equipamentos, acessórios e produtos de beleza) no terceiro lugar, com 8,1% e pet vet (produtos veterinários) em quarto lugar, com 7,8%. Ainda segundo uma pesquisa da Revista Exame em abril de 2018, cerca de 8,7% dos animais de estimação também já tem plano de saúde.
Mas não é somente estes setores da economia que os Pets têm movimentado!
Os pets também tem movimentado outros setores, como o setor público, e o setor jurídico, já que não se tratam mais de bens da família e sim verdadeiros entes queridos.
Tomo aqui a liberdade de transcrever um depoimento sobre um cão deixado no site Crematório de Animais que ilustra bem o lugar e o sentido concedidos aos animais de estimação, citado na Revista de Direito Ambiental 2016 RDA VOL.82 (ABRIL – JUNHO 2016) BIODIVERSIDADE. UMA NOVA FAMÍLIA: A MULTIESPÉCIE: “Somente hoje tive forças para entrar aqui e deixar meu depoimento… não por falta de tempo, falta de coragem ou tentando encontrar as melhores palavras… pois sempre que você vem a minha mente, somente as palavras amor, amizade e gratidão me vem a cabeça… é difícil olhar para o cantinho do meu quarto que você sempre dormia… é difícil acreditar na coragem que tive em me despedir de você da maneira como foi… o desejo mais intenso do meu coração era não te ver partir da maneira como partiu… mas acredito que Deus tenha tomado como prova minha fé e minha coragem. Te amei desde o primeiro segundo que te vi, até o momento em que te vi fechar os olhos. Ainda me sinto pequena, culpada e sem paz por não ter retribuído metade do que você fez por mim. Passamos por momentos difíceis, fomos rejeitados, brincamos, corremos, trocamos olhares… passei por sustos, chorei em silêncio ao ver que não sou suficientemente qualificada para receber de Deus um anjo como você… Só sei que Deus “abriu exceção” na minha vida, me ensinando a amar de verdade um ser vivo que só veio ao mundo com uma missão: Me resgatar da escuridão, me ensinando a crer, a ter fé, a entender que ainda tenho muitas vidas para aprender a amar como você… e meu desejo agora, na saudade que eu sinto… é que você me perdoe por não ter sido a melhor mãe do mundo, mas acredite… fui a melhor pessoa que poderia ter sido por alguém. Sinto sua falta Freddy… dói demais saber que não posso beijar seu focinho ou acariciar suas orelhas… meu maior desejo agora é te reencontrar e sentir mais uma vez a verdadeira alegria no meu coração”. A amizade é um amor que nunca morre! … serão palavras que vou carregar, lembrando que foram feitas pra você! Obrigada por tudo meu amor… Minha eterna gratidão por me permitir ser tua mãe terrena… me espere que vou ao seu encontro…” (Postado em 15.06.2015).
Neste contexto é fato que dúvidas, questionamentos, e pedidos tendo por objeto os animais de estimação têm com cada vez mais frequência sido objeto de análises pelo Poder Judiciários, sendo tema de inúmeras discussões no meio jurídico.
O que fazer então quando um casal se separa e tem no lar Pets que são considerados como verdadeiros filhos do casal???
O direito brasileiro já socorre esta demanda das “famílias multiespécies”?
O afeto dedicado aos animais de estimação e essa nova configuração familiar tem levado à Justiça a diversas discussões versando sobre a guarda desses seres.
A Constituição Federal de 1988, protege aos animais uma vez que garante a todos os seres, em seu artigo 225, um meio ambiente ecologicamente equilibrado, entretanto esta proteção é generalizada a todos os seres vivos, priorizando o bem estar do ser humano.
A tendência mundial, no entanto, é conferir cada vez mais direitos a outros seres vivos, como os animais, dada a interdependência e inter-relação existente entre a vida humana e o meio ambiente.
Em 1978, a Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura, Unesco proclamou a Declaração Universal do Direito dos Animais, que se inicia com a consideração de que “todo o animal possui direitos” reforçada em seus arts. 1.º, 2.º, o direito à vida e ao respeito. O art. 5.º estabelece que os animais que vivem “tradicionalmente no meio ambiente do homem têm o direito de viver e de crescer ao ritmo e nas condições de vida e de liberdade que são próprias da sua espécie”.
Merece ainda destaque o Tratado de Amsterdam, de 1997, que modificou o Tratado da União Europeia, os Tratados Constitutivos das Comunidades Europeias e determinados Atos Conexos, contém, entre esses documentos, o protocolo sobre a proteção e o bem estar dos animais, para garantir uma maior proteção e respeito aos animais como seres sensíveis.
A França, atenta ao disposto no Tratado de Amsterdam (1997), reconheceu os animais como seres sencientes, ou seja, que eles são capazes de sentir, possibilitando enxergá-los como sujeitos de direito e não mais como objetos, dotados de valor mercantil e integrantes de um patrimônio.
Também a Argentina reconheceu os animais como sujeitos de direito em decisão do STJ.
No Brasil temos a Lei 9.605/1998, que no art. 32, penaliza o abuso, os maus-tratos, o ferimento ou a mutilação de animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos, com detenção, de três meses a um ano e multa, que será aumentada de um sexto a um terço, se ocorrer a morte do animal.
Entretanto ainda não temos leis específicas para tratar dos animais de estimação no contexto atual da sociedade.
Mas é fato que já há inúmeras decisões judiciais sobre este tema.
O Tribunal de Justiça de São Paulo, por exemplo, já manifestou entendimento através da 7ª Câmara de Direito Privado que trata de temas das varas de família, que as varas de família do estado de São Paulo são competentes para solucionar questões relativas a guarda e visitas dos animais de estimação.
Fato é que devido à semelhança com as disputas por guarda e visita de crianças e adolescentes, os animais domesticados não podem mais ser classificados apenas como coisas ou objetos, por isso devem ser reconhecidos como membros de um núcleo familiar.
O processo envolvia um casal que vivia em união estável e, durante o período sob o mesmo teto, adotaram um cachorro. Com o término do relacionamento, a mulher ficou com a posse do cão, e passou a impedir que o ex-companheiro tivesse acesso a ele. Na ação de reconhecimento e dissolução da união estável movida pela Defensoria Pública, a advogada do companheiro pediu a posse compartilhada e a regulamentação de visitas em relação ao cachorro, porém o juízo de primeira instância julgou extinta a ação sem resolução de mérito, por entender que se tratava de questão estranha à vara de Família, entretanto o Tribunal de Justiça de São Paulo reverteu esta decisão manifestando o entendimento de que o tema é pertinente as varas de família, sendo os animais de estimação reconhecidos como membro do núcleo familiar.
Os desembargadores da 7ª Câmara aplicaram, por analogia, o disposto no Código Civil acerca da guarda e visita de crianças e adolescentes. O relator, juiz em segundo grau José Rubens Queiróz Gomes, comentou que, com base em pesquisa recente do IBGE, é possível afirmar que há mais cães de estimação do que crianças em lares brasileiros. Ele também apontou lacuna legislativa, pois a relação afetiva existente entre seres humanos e animais não foi regulada pelo Código Civil de 2002, que fala que “os animais são tratados como objetos destinados a circular riquezas (artigo 445, parágrafo 2º), garantir dívidas (artigo 1.444) ou estabelecer responsabilidade civil (artigo 936)”. Como a lei não previu como resolver conflitos entre pessoas em relação a um animal adquirido com a função de proporcionar afeto, e não riqueza patrimonial, Queiróz concluiu que cabe ao juiz “decidir de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito, nos termos do artigo 4º da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro”. E ainda: “Considerando que na disputa por um animal de estimação entre duas pessoas após o término de um casamento e de uma união estável há uma semelhança com o conflito de guarda e visitas de uma criança ou de um adolescente, mostra-se possível a aplicação analógica dos artigos 1.583 a 1.590 do Código Civil”.
Mas há um pouco que devemos destacar o relator ressaltou ainda que, diferentemente do que acontece com filhos, “a guarda e as visitas devem ser estabelecidas no interesse das partes e não do animal, pois o afeto tutelado é o das pessoas”.
Na esteira desta decisão há cerca de três meses movemos uma ação de divórcio amigável de que um casal que não teve filhos mas que tinham dois cães como membros do núcleo familiar. Através de acordo nos autos da ação de divórcio o casal estipulou a guarda, as visitas, bem como o pagamento de uma contribuição mensal, para a manutenção dos animais de estimação, e o referido acordo foi prontamente homologado pelo juiz da vara de família da 3ª Vara da Família de Cotia.
Mas não é só aqui em São Paulo que os Tribunais têm se ocupado com este tema, este tema foi parar no STJ e neste ano de 2018, o Superior Tribunal de Justiça -STJ, em julgado recente, afirmou-se que os animais de estimação não podem ser considerados meras “coisas inanimadas”, pois merecem tratamento peculiar em virtude das relações afetivas estabelecidas pelos seres humanos com eles. Com base nesse entendimento, uma decisão inédita foi tomada em junho deste ano pela Quarta Turma, que considerou ser possível a regulamentação judicial de visitas a animais de estimação após a separação de um casal. O caso envolveu uma cadelinha yorkshire. O colegiado confirmou acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que fixou regime de visitas para que o homem pudesse conviver com a cadela, adquirida durante o relacionamento, e que ficou com a mulher depois da separação. O relator, ministro Luis Felipe Salomão, explicou que, em casos como esse, é necessário analisar a situação concreta buscando sempre a proteção do ser humano e de seu vínculo afetivo com o animal.“Buscando atender os fins sociais, atentando para a própria evolução da sociedade, independentemente do nomen iuris a ser adotado, penso que a resolução deve, realmente, depender da análise do caso concreto, mas será resguardada a ideia de que não se está frente a uma ‘coisa inanimada’, mas sem lhe estender a condição de sujeito de direito. Reconhece-se, assim, um terceiro gênero, em que sempre deverá ser analisada a situação contida nos autos, voltado para a proteção do ser humano e seu vínculo afetivo com o animal”, afirmou Salomão.
Assim, considerando inúmeras decisões judiciais no direito brasileiro embora não haja legislação específica, é possível pleitear judicialmente direitos equivalentes a guarda, vistas e alimentos aos animais de estimação.
E quanto a minha herança, não tenho filhos, nem netos, nem qualquer herdeiro necessário, posso fazer um testamento nomeando meu filho de quatro patas como meu herdeiro??
Fora do Brasil temos ouvido sobre inúmeros casos sobre milionários que deixam seus pets como seus únicos herdeiros. Um dos casos famosos é da cadela “Trouble” que herdou de sua dona, a milionária Leona Helmsley a quantia de 12 milhões de dólares!
Mas é no Brasil isto seria possível?
A resposta é não!
No Brasil a legislação não permite nomear como herdeiro um animalzinho de estimação, por mais afinidades que ele tenha com seu dono, ou seja o único ser com o qual se relacionava e tinha como membro da família, pois aqui para receber um bem de herança é preciso ter personalidade jurídica e seres irracionais e inanimados não tem esta característica.
Mas caso o dono queira beneficiar seus animais de estimação, visando que eles continuem contando com os cuidados necessários é possível nomear um legatário ou herdeiro, e condicionar ao recebimento da herança ao compromisso desta pessoa de cuidar dos animais que se pretende beneficiar.
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