MINHAS DERROTAS EM 2019 E NOSSOS APRENDIZADOS PARA 2020, 2021, 2022…
Faz um ano utilizei este espaço para escrever sobre as certezas para o ano que se iniciava, e fiz isto na contramão daqueles que faziam apenas previsões para o mesmo ano. E se você não leu o texto, sugiro que faça isto, pois aquelas certezas também valem para o ano que se inicia. Onde se lê 2019 basta você ler 2020. (clique em https://bit.ly/3aAWdCE).
Também na contramão do senso comum, neste texto falarei das minhas DERROTAS DE 2019, porém, com a esperança de oferecer alguns aprendizados para este ano que se inicia e para os anos futuros.
E, dentre as derrotas (que foram muitas), escolhi falar de meus clientes que partiram em 2019. Até aqui você poderá dizer que não tem nenhuma novidade, afinal, pessoas morrem todos os dias, e, portanto, todos os dias os advogados, os médicos, os fisioterapeutas, os supermercados perdem seus clientes.
Quero, entretanto, dialogar com você sobre meus clientes que morreram sem receber aquilo que lhes era devido. De novo, você contra-argumentará dizendo que também aqui não há muitas novidades. Afinal, para estas situações a legislação já criou a figura do herdeiro, que receberá aquilo que seria devido ao falecido. Logo, que derrota haveria nisto?
Diferentemente de tudo isto, pretendo dialogar com você sobre os casos de clientes que já haviam recebido aquilo que lhes era devido e dependiam apenas de uma ordem judicial, ou de uma assinatura, ou de uma providência dos servidores públicos. Minha derrota consistiu em não conseguir que ocorressem estas providências antes da partida de meus clientes.
Veja o emblemático caso da Raquel: Lutávamos por ela desde 2004, vencemos a causa, a Prefeitura devedora depositou o valor em juízo, os desembargadores do Tribunal de Justiça determinaram que o valor fosse liberado para que a nossa cliente o utilizasse para minimizar as dores do Mal de Parkinson que, precocemente a acometera.
Mas, não conseguimos liberar o valor em tempo: o juiz de São Bernardo e seus servidores recusaram-se a assinar os papeis, argumentando que os Irmãos da enferma estavam gastando de forma muito perdulária, comprando saias e vestidos de tecidos caros e marcas sofisticadas. De nada valeu argumentar que estas saias e estes vestidos eram utilizados para a moça ir à sua Igreja, o único lugar que a confortava e a alegrava, e que, para ela, cada ida a este local era um evento especial e gratificante, e que, portanto, justificava que vestisse o que tinha de melhor.
E a dolorosa ironia é que o valor será, agora, liberado pelos mesmos servidores em favor dos “irmãos que compravam as roupas de forma perdulária para sua irmã enferma”.
Relato a você, ainda, o caso de nossa cliente Luciene: O valor que lhe era devido somente seria pago pela Prefeitura em 2024, através de “precatório”. Para poder receber o valor até o final de 2018 e utilizá-lo para o seu casamento, a moça renunciou à metade do valor que lhe era devido. Porém, a prefeitura somente realizou o pagamento em maio de 2019.
Dialogamos com a juíza e seus assistentes: lembramos os servidores da renúncia, de sua necessidade, de sua urgência. Tudo em vão: a cliente foi sepultada em uma manhã ensolarada de 25.10.2019 e a Vara do Trabalho liberou o valor na tarde cinzenta e triste de 26.10.2019…
E finalmente, não posso deixar de mencionar a partida da Alice: A causa fora iniciada em 1989, o Governo depositou o valor da cliente em 2015: Nossa colega, Dra. Lívia até hoje sente picadas nos rins ao se lembrar da juíza que a recebeu em seu gabinete E RECUSOU-SE a despachar a petição que pedia urgência pra a liberação em razão da idade (quase noventa anos) e diversas enfermidades da anciã. O escritório comprou os remédios, as fraudas e as pomadas receitadas pelos médicos para a enferma, mas eles não bastaram. A cliente partiu e, com fé em Deus, seus filhos receberão o valor que poderia ter contribuído para proporcionar uma velhice digna à nossa amiga.
E, afinal, quais aprendizados retiramos destes melancólicos episódios?
Quando o islamismo, o budismo, o judaísmo e o cristianismo nos recomendam a fazer aos outros os que desejamos que façam por nós pretendem, certamente, convidar a esta constatação:
Por trás dos números dos processos existem pessoas, os papeis e as petições representam seres humanos, e isto é aplicável não apenas às nossas atribuições jurídicas, mas a todas as atividades humanas, que vão da construção de um automóvel guiado pela inteligência artificial, à faxina realizada na rua de casa.
Portanto, a título de recomendação para 2020 e para todos os nossos dias futuros, proponho que tenhamos sempre em mente que nossas ações, e sobretudo nossas omissões, quer como advogados, estagiários juízes, escreventes, atendentes, bancários, professores, ou aposentados SEMPRE impactarão a vida de outras pessoas.
Cientes disto, o ano que se inicia, assim como 2021, e também 2022, 2025… serão ESPETACULARES para todos nós e para as pessoas que nos rodeiam
ISMAEL CRISTO é advogado no Cristo Constantino E Advogados Associados, Mestre em Direitos das Relações Sociais pela PUC São Paulo e professor em programas de Graduação e Pós Graduaçao.
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