Volta às aulas: breve manual de sobrevivência
Completei vinte e dois anos de magistério em primeiro de agosto e admito, sem falsa modéstia, que a lista de erros que cometi nesta longa jornada não caberia neste texto, e, provavelmente, mataria meus familiares e amigos de vergonha.
Decidi, então, aproveitar esta lista interminável de equívocos e aprendizados para oferecer, abaixo, um breve manual de sobrevivência “rememorando” o aniversário, e para servir de reflexão àqueles que estarão envolvidos com as aulas neste e nos próximos semestre de suas vidas escolares.
- Aos alunos:
1.1. O que plantar, você colherá:
Eu proponho que considera a infalível “lei da colheita”: Você plantará o que colher, isto significa, portanto, que os resultados de seus estudos serão proporcionais à sua dedicação e ao tempo que você dedicar às “coisas da escola”.
1.2. Você está no comando:
A má notícia é que para a regra acima ainda não inventaram atalhos, e a EXCELENTE notícia é que a escolha sobre o resultado dependerá exclusivamente de você: esqueça da ideia de colocar a culpa no professor, na escola, nos seus colegas, em sua família, ou em seus ascendentes, ou em quem quer que seja, e entenda, com clareza, que você está no comando e que deverá conduzir sua própria vida escolar, ainda que isto implique em ter de pagar um preço alto em termos de sacrifícios ao ócio, ao lazer, e ao puro entretenimento.
1.3. Não estude apenas para ir bem nas provas:
Não espere a data das avaliações para estudar, e, especialmente, não se dedique apenas e tão somente para ir bem nas avaliações: os seus estudos e aprendizados serão úteis e necessários para a sua vida inteira e, se você não está em busca de uma vida medíocre, não se contente em estudar mediocremente. Adicionalmente, tenho de confessar que a escola conseguirá oferecer a você, se muito, 10% daquilo que você necessitará e, portanto, os outros 90% você deverá buscar por sua própria conta e risco.
1.4. Ajude seus colegas, seu professor, sua escola, sua comunidade:
E, lembre-se de que você não é uma ilha: quanto mais você contribuir para o aprendizado dos colegas de sua sala, e de todo o entorno, maior será o desenvolvimento deles, bem como de seu próprio aprendizado, e, creia-me, se você não obtiver a gratidão deles, suas recompensas virão de outras fontes, mas inevitavelmente, você as receberá.
2. Aos colegas professores:
2.1. Convite à humildade:
Humildade, aqui, não está colocada como, erradamente, o senso comum a conhece, mas como a consciência de que você não é Deus. E porque você não é Deus, está sujeito a falhas, a equívocos, e, sobretudo, que ainda não sabe tudo.
Partindo disto, e ciente da democratização do acesso às diversas fontes de conhecimento, possivelmente em alguns assuntos, um ou mais alunos saberão mais do que você. Quando ocorrer não se sinta ofendido, aproveite para aprender um pouco mais com o novo professor, parebenize-o, e incentive os alunos a fazerem o mesmo.
2.2. Tenha ciência de sua mortalidade:
Outra decorrência de sabermos que não somos Deuses, é a ciência de que um dia morreremos, e que não sabemos qual será este dia. Isto também é aplicável aos seus alunos e a todas as pessoas em seu redor. Caso você entre na sala de aula ciente de que esta pode ser sua última oportunidade, ou a última vez que estará com aqueles alunos, o efeito é inevitavelmente muito estimulante, afinal, ninguém deseja partir deste mundo deixando como lembrança uma última aula medíocre, inútil, sem sabor, e lecionada apenas para cumprir o programa.
2.3. Os sãos não precisam de médicos:
Os alunos virão para a sala de aula bem menos preparados do que você desejaria, e isto é tão certo quando a certeza de que após este Inverno virá a Primavera.
Entenda, porém, que se os alunos fossem perfeitos, e já soubessem o que você precisa ensinar, não precisariam de você e o nossa profissão seria dispensável. A escola é, por excelência, o espaço da imperfeição, e das lacunas que precisam ser preenchidas. Quanto mais eficaz for seu trabalho, melhor os seus alunos concluirão este semestre e esta é a razão pela qual você foi colocado na posição de professor e eles de alunos.
2.4. Você não foi obrigado a escolher este ofício:
Ninguém prometeu para você que o magistério seria fácil, sem percalços, e excelentemente remunerado. Também admita que você não se tornou professor porque o obrigaram a isto: poderia ter escolhido um sem número de outras carreiras muito melhor remuneradas e muito mais valorizadas pela sociedade e pelo Poder Público.
E, se você escolheu se professor, lembre-se sempre de sua imensa responsabilidade: através de seu trabalho e de seus exemplos você poderá contribuir para jogar seus alunos de volta à escuridão, ou iluminar o caminho que os levará a um mundo que eles ainda nem conhecem, e sequer sabem que existe.
Lembre-se, finalmente, que através de seu trabalho estes alunos também influenciarão outras pessoas, positiva, ou negativamente, em um círculo que poderá ser virtuoso, ou vicioso: por este motivo podemos afirmar que no Magistério não há espaço para amadores, mas apenas para profissionais.
E, finalmente, aos alunos, aos professores, aos pais, filhos, namorados e maridos dos alunos e dos professores, lembre-se da regra de ouro: recuse-se, terminantemente, a fazer o que você não gostaria que fizessem a você e a quem você quer bem: observando isto não há nenhuma chance de dar errado e o semestre que se inicia, assim como todos os semestres futuros serão sempre MEMORÁVEIS!
Ismael Cristo é Mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC de São Paulo, professor em programas de graduação e pós graduação e advogado no escritório Cristo Constantino E Advogados Associados.
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