Políticas Públicas em Educação e o papel do Estado
Ninguém tem, hoje, qualquer dúvida de que já passou da hora de reconhecermos, todos nós, governantes e governados, alunos e professores, políticos e eleitores, que o Brasil precisa pagar sua dívida consigo mesmo e assumir que, sem educação não se irá a lugar nenhum.
Para que isto ocorra é necessário que dialoguemos um pouco mais sobre Políticas Públicas em Educação e o papel, decisivamente importante que o Estado deve assumir como verdadeiro patrocinador da causa da Educação.
Propomo-nos a oferecer neste e nos próximos artigos, algumas considerações para a reflexão de nossos amigos, com o objetivo de estimular o debate sobre este importante e urgente assunto.
E, neste texto examinaremos este ator protagonista do tema, que é o próprio ESTADO:
A palavra “estado” pode ser utilizada para designar mais de uma realidade diferente:
Pode significar uma das unidades da Federação que compõe o Brasil. Examine-se a construção da seguinte frase: “Ciro Gomes nasceu no estado de São Paulo, mas jamais deixou de esconder seu especial apreço pelo Ceará, onde passou a maior parte de sua vida e se desenvolveu politicamente”;
Pode, também, ser utilizada como sinônimo de situação conjugal. Examine-se o exemplo que segue: “Para as leis brasileiras existem apenas cinco tipos de estado civil, quais sejam, solteiro, casado, separado, divorciado e viúvo, embora ganhe corpo, cada dia mais, o número de pessoas que defendem a necessidade de incorporar também a figura do convivente, ou seja, aquele que vive em união estável.”
A palavra “estado” também é comumente utilizada para indicar a condição físico-psicológica de alguém: “após brincar o carnaval durante quatro dias o folião chegou à sua casa em estado de miséria”, ou, neste mesmo contexto, a condição financeira de uma pessoa, física ou jurídica: “após socorrer-se de empréstimo dos agiotas a empresa encontra-se em estado de insolvência”.
E, finalmente, também utilizamos o termo “estado” para nos referir a uma organização política que exerce o poder sobre seus cidadãos em determinado território, criando leis e zelando pelo seu cumprimento. Observe-se a seguinte afirmação: “O Estado finlandês elegeu a educação como prioridade e esta é uma das principais explicações para o seu admirável desenvolvimento social e econômico”.
O último significado para a palavra “estado”, mencionado acima, é a acepção a que nos referimos no título desta unidade e que exigirá nossa especial atenção em matéria de Educação.
É fácil, aliás, entender porque de nosso foco para este significado da palavra ESTADO:
Dialogar sobre políticas públicas em educação, ou, em outras palavras, dedicar-se a compreender como é que no Brasil se organiza a relação entre o Poder Público (Poder Executivo, Legislativo e Judiciário, tanto na esfera federal como estadual e municipal) e seus cidadãos em matéria de educação: quais são suas regras e como estas regras devem ser implementadas, ou, mais resumidamente, como o Estado brasileiro cuida, ou deveria cuidar da educação no país.
Ora, para tratar deste tão importante papel do Estado brasileiro, precisamos, antes, entender o que vem a ser este Estado: de onde vem, quais são suas principais características, porque o Estado manda e nós obedecemos. Esta é a tarefa a que nos propomos, abaixo.
Bem vindo, portanto, a este “sujeito misterioso” que é o Estado.
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O mundo antes do surgimento do Estado Contemporâneo
Ainda que você tenha acabo de desembarcar de “Marte”, certamente já ouviu falar de Abraão: E nem poderia ser diferente, trata-se de um herói da história da humanidade que, de tão famoso é considerado o patriarca das três grandes religiões da humanidade (Judaísmo, Islamismo e Cristianismo).
Diminui, porém a chance da maioria dos que nos leem de terem ouvido falar de Lot: este é o nome do sobrinho de Abraão que, segundo a tradição bíblica, teria acompanhado seu tio por uma longa viagem, iniciada na Mesopotâmia (atual Iraque), até Canaã (hoje região de Israel-Palestina). Depois de se separar do tio famoso, Lot foi viver com sua família em uma cidade de nome Sodoma (Keller, p. 25).
Ainda segundo a tradição bíblica, Lot teria protagonizado uma terrível história de horror: recebeu a visita de dois homens que tinham aparência simplesmente perfeita, tão perfeita que alvoroçou os habitantes de toda a cidade a ponto deles tentarem invadir a residência de Lot para tomar para si os hóspedes de Lot e praticar com eles toda sorte de “prazeres” e maldades.
A avidez e agressividade dos habitantes de Sodoma era tão grande que, como forma de salvar seus hóspedes, Lot chegou a oferecer em troca suas filhas, que eram ainda virgens e muito bonitas, mas isto, de nada adiantou.
O que ocorreu com Lot e suas filhas depois disto é uma longa história, mas basta resumir dizendo que, ainda segundo a tradição bíblica, aqueles hóspedes “bofes” eram, na verdade, anjos, que, enfurecidos, cegaram seus habitantes, retiraram de lá Lot e sua família e destruíram Sodoma e a cidade vizinha Gomorra, exterminando todos os seus habitantes.
Nosso leitor e nossa leitora devem estar se perguntando: por que Lot, ao invés de tentar negociar suas filhas com os sodomitas não chamou a polícia da época, ou o exército do rei, ou alguma autoridade que protegesse a si, sua família e seus hóspedes?
Esta é a parte da história que nos interessa e por este motivo foi relatada acima: Lot não chamou a polícia, nem o exército do rei porque isto não existia: estamos tratando de um acontecimento que, segundo relatam estudiosos, teria ocorrido aproximadamente há dois mil anos antes de Cristo, ou seja, há mais de quatro mil anos: uma assustadora época da história da humanidade em que imperava a vontade do mais forte, ou do mais astuto e não haviam instituído ainda, pelo menos não neste local, uma organização minimamente razoável que concentrasse o poder nas mãos de uma pessoa, ou de um grupo, de modo a oferecer alguma estabilidade e segurança para seus habitantes.
Prevalecia a autotutela, em que a resolução dos conflitos, se dá pela imposição do mais forte ao mais fraco, ou ainda do mais astuto ao menos hábil, de forma totalmente arbitrária, independentemente da razão ou direito, daquele que sobrepuja o outro.
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A longa trajetória trilhada pela humanidade para o surgimento do Estado Contemporâneo
Para alcançar o atual estágio de desenvolvimento e sofisticação da atualidade diversas etapas foram superadas pela humanidade e a evolução do Estado reflete muito bem esta trajetória.
Considerando-se os objetivos deste trabalho, não pretendemos nos alongar no exame deste passeio pela história do homem, mas para a boa compreensão de nossa condição e desafios da atualidade importa que tenhamos, no mínimo, uma breve noção da evolução do Estado, conforme você verá abaixo.
Na gênese do Estado, os estudiosos nos dão notícia da existência de uma forma de denominação à qual se dá o nome de “Estado antigo”, período da história da humanidade em que algumas poucas pessoas legitimavam sua autoridade sobre as demais utilizando uma divindade como argumento central: segundo este raciocínio, Deus, ou os deuses teriam aparecido de uma forma especial e escolhido aquela pessoa, ou aquele grupo de pessoas para comandar os outros.
Veja você alguns exemplos que auxiliarão na compreensão desta forma de dominação:
Em aproximadamente 2067-2025 a.C. a Babilônia foi dominada pelo Rei Hamurabi. A grande contribuição deste monarca foi ter deixado registrada a primeira legislação escrita de que se tem notícia. No local em que os arqueólogos localizaram registradas estas leis (em três idiomas) encontraram, igualmente, a imagem do Deus Sol, entregando diretamente ao Rei Hamurabi a legislação que o legitimava como representante da divindade e com poderes de vida e morte sobre o seu povo.
Leia-se, a propósito, como o próprio Hamurabi apresenta o seu famoso Código aos súditos: “…por esse tempo Anu (Deus supremo) e (Deus da terra) me chamaram, a mim, Hamurabi, o excelso príncipe, o adorador dos deuses, para implantar a justiça na terra, para destruir os maus e o mal, para prevenir a opressão do fraco pelo forte, para iluminar o mundo e propiciar o bem estar do povo.” (Jair Lot Vieira, p. 11).
O mesmo exemplo pode ser extraído do Pentateuco (os cinco primeiros livros da Bíblia): as regras que legitimavam o poder de Deus sobre o povo e a figura de Moisés como um de seus legítimos representantes neste mundo, teriam sido entregues diretamente ao próprio Moisés, no Monte Sinai (hoje localizado no Egito), em aproximadamente 1.450 a.C (Conciso dicionário bíblico, p. 254).
Ainda a título de ilustração, mencione-se também o Alcorão (livro que serve de fundamento à religião islâmica). Segundo consta, este documento religioso, político e jurídico (pois serve como Código Civil, Código Penal e Constituição Federal para várias nações árabes) teria sido ditado diretamente a Maomé, em 610 d.C. pelo anjo Gabriel.
Após este denominado “Estado antigo” os estudiosos nos noticiam a existência do “Estado Greco-Romano”, retratado de forma absolutamente genial por Fustel de Colanges em uma obra prima clássica de nome “A cidade antiga”:
Dentre outras características comuns a estas duas formas de se legitimar o poder de alguns sobre a imensa maioria, e que consideramos um grande progresso em relação à etapa anterior, foi a prevalência da ideia de que o povo deveria participar diretamente do governo, mas, é importantíssimo observar, tanto na Grécia como em Roma o conceito de povo ainda era extremamente restrito, compreendendo apenas uma inexpressiva faixa da população.
O “greco-romano” foi sucedido pelo “Estado medieval”, o qual, segundo o Professor Dalmo de Abreu Dalari (1998, p. 27) deve suas especificidades a três fatores especialmente relevantes que são o cristianismo, as invasões bárbaras e o feudalismo. Observe você cada um deles:
O cristianismo contribuiu para que se começasse a germinar o conceito de que as pessoas não valiam diferentemente conforme sua origem, mas que deveriam ser tratadas de forma igualitária (tornamos a repetir, uma visão ainda muito embrionária, mas um primeiro passo importante).
As invasões bárbaras, representadas pela incursão de verdadeiras hordas armadas provenientes especialmente do norte da Europa (germanos, eslavos, godos…): além de introduzir novos costumes, estes novos habitantes também estimulavam os povos a se afirmarem como unidades políticas independentes, dando origem, portanto, a muitos novos Estados.
O feudalismo impactou este período da história da humanidade porque, em razão das muitas guerras causadas especialmente pela presença dos invasores bárbaros o estabelecimento da troca de riquezas através do comércio se tornou muito difícil. Isto ensejou a extrema valorização da posse de terra e, consequentemente, do aumento de poder do senhor feudal, que passa a ter poder de vida e morte sobre seu feudo e sobre sua vassalagem e família.
Os fatos históricos acima enumerados contribuíram, na verdade, para o surgimento de uma outra etapa desta evolução que foi o surgimento do “Estado Moderno”: novamente nos socorre o jurista Dalari (1998, p. 29) para didaticamente nos lembrar que o feudalismo, repleto de insegurança causada pela indefinição de poderes, existência de monarcas de ocasião e aventureiros que cobravam impostos de forma indiscriminada, somente contribuía para que as pessoas aspirassem um poder central, superior a todos os demais, delimitado em uma região geográfica.
Surge, então, e finalmente, uma espécie de Estado que evoluiu para o estágio tal qual conhecemos hoje, ou, em outras palavras, um “organismo” fundamentado em quatro características essenciais, que podem ser assim enumeradas: soberania, território, povo e finalidade.
Soberania, simplificadamente é o nome que damos ao poder que o Estado tem de se organizar juridicamente para fazer valer, dentro de seu território a universalidade de suas decisões. Ilustremos este conceito com um exemplo bem conhecido:
Salvatore Cacciola se tornou muito conhecido no Brasil porque através do Banco Marka, de sua propriedade, causou aos cofres públicos prejuízos de um bilhão e meio de reais e, por este motivo, o banqueiro foi condenado a treze anos de prisão, entretanto, como fugiu para a Itália, país onde nascera, pode permanecer livre da cadeia por vários anos. Por que fugiu para a Itália? Porque sabia que lá não poderia ser preso pelos crimes cometidos no Brasil, pois é cidadão romano e lá a polícia brasileira não pode entrar e “dar voz de prisão” a quem quer que seja. Somente o governo italiano pode fazer isto na Itália graças a esta tal de “soberania”.
Território é o nome que se dá a um espaço geográfico, sobre o qual o Estado exerce o monopólio de sua ocupação: os outros Estados reconhecem que não podem penetrar naquele local previamente delimitado porque não é possível que exista soberania de dois ou mais Estados em um único local.
Voltemos ao exemplo do banqueiro para entender melhor a importância do território: enquanto Salvatore Cacciola estava na Itália nada poderia ser feito contra ele, mas a partir do momento em que cruzou a fronteira e foi jogar no cassino de Monte Carlo, em Mônaco, já estava em um espaço geográfico onde a Itália não exercia soberania e isto permitiu que o criminoso fosse deportado ao Brasil onde já cumpriu parte de sua pena no presídio da Papuda, em Brasília, “território” onde o Brasil pode exercer o seu poder de fazer cumprir suas leis e decisões judiciais.
Povo, na feliz conceituação de Dalari (1998, p. 39) é o “conjunto dos indivíduos que se unem para constituir o Estado, estabelecendo com este um vínculo jurídico de caráter permanente, participando da formação da vontade do Estado e do exercício do poder soberano”.
Não se confunda, portanto, com população, que é um aglomerado estatístico de pessoas e, sobretudo, não podemos confundir com “nação”, que é um conjunto de pessoas que pertence à mesma base histórica e cultural, e que preserva as mesmas tradições e costumes (Dalari, p. 38).
Finalmente, mencionemos a finalidade como característica do Estado, que ainda segundo Dalari (p. 41) pode ser assim sintetizada: “o fim do Estado é o bem comum, entendido este como o conceituou o Papa JOÃO XXIII, ou seja, o conjunto de todas as condições de vida social que consintam e favoreçam o desenvolvimento integral da personalidade humana.”
De posse desta ideia bastante simplificada do Estado nossos estudos conduzem ao seu conceito, também fornecido pelo próprio Professor Dalari, ou seja, “a ordem jurídica soberana que tem por fim o bem comum de um povo situado em determinado território” ou, mais simplesmente segundo Houaiss, conjunto das instituições (governo, forças armadas, funcionalismo público etc.) que controlam e administram uma nação”.
Este é o Estado que merece ser examinado naquilo que há de mais relevante para as nossas reflexões, ou em outras palavras, como se dá o relacionamento entre este organismo complexo e o povo, especificamente em relação à educação, tema sobre o qual dialogaremos nos próximos artigos.
Aguardamos vocês!
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