Indenização por desvio do tempo produtivo – Precisamos dialogar sobre isso!
Você consegue se imaginar em um balcão, ou em uma página de e-commerce, tentando utilizar seu dinheiro para comprar uma porção adicional de tempo para ficar um pouco mais com a família, ou para estudar para as provas daquele concurso público, ou para colocar suas leituras em dia, ou ainda para, finalmente, passar a frequentar a academia? Sou capaz de apontar que você responderá que esta pergunta é imbecil, porque o tempo não pode ser comprado, nem recuperado, por dinheiro nenhum. A sua resposta é a principal razão para as pessoas que refletem sobre este assunto terem concluído que o tempo é nosso bem mais precioso.
Pois, é este bem extremamente precioso que se “rouba” do consumidor quando uma empresa falha na prestação de serviços e o obriga a perder horas em ligações telefônicas com S.A.C pródigos em gerundismos (nós estaremos te retornando…) e miseráveis em soluções de problemas, longas filas, estresses e promessas não cumpridas.
Como forma de responder à demanda por estas frustrações é que tem ganhado forças, especialmente nos tribunais de São Paulo e, mais recentemente também em Brasília, o direito do consumidor ao recebimento da indenização por desvio do tempo produtivo, ou, em outras palavras, do direito que se deve assegurar ao consumidor pelo tempo que perdeu na busca pela solução de um problema, causado por uma falha na prestação do serviço.
Este direito óbvio do consumidor começou a receber especial atenção graças aos estudos do advogado MARCOS DESSAUNE, divulgados especialmente através e seu livro “Desvio Produtivo do Consumidor: o prejuízo do tempo desperdiçado”, publicado pela RT. Segundo este experimentado e ativo defensor dos direitos do consumidor:
“O desvio produtivo caracteriza-se quando o consumidor, diante de uma situação de mau atendimento, precisa desperdiçar o seu tempo e desviar as suas competências — de uma atividade necessária ou por ele preferida — para tentar resolver um problema criado pelo fornecedor, a um custo de oportunidade indesejado, de natureza irrecuperável”(Desvio Produtivo do Consumidor: o prejuízo do tempo desperdiçado. São Paulo : RT, 2011, p. 17).
E, para quem acreditava que isto era assunto teórico, recentes decisões do Superior Tribunal de Justiça eliminaram qualquer dúvida e têm deixado claro que este direito do consumidor veio para ficar.
Leia você mesmo este curto trecho da decisão do Ministro Relator Marco Aurélio Belizze:
Adoção, no caso, da teoria do Desvio Produtivo do Consumidor, tendo em vista que a autora foi privada de tempo relevante para dedicar-se ao exercício de atividades que melhor lhe aprouvesse, submetendo-se, em função do episódio em cotejo, a intermináveis percalços para a solução de problemas oriundos de má prestação do serviço bancário.
Para evitar maiores prejuízos, o consumidor se vê então compelido a desperdiçar o seu valioso tempo e a desviar as suas custosas competências – de atividades como o trabalho, o estudo, o descanso, o lazer – para tentar resolver esses problemas de consumo, que o fornecedor tem o dever de não causar. Tais situações corriqueiras, curiosamente, ainda não haviam merecido a devida atenção do Direito brasileiro. Trata-se de fatos nocivos que não se enquadram nos conceitos tradicionais de ‘dano material’, de ‘perda de uma chance’ e de ‘dano moral’ indenizáveis. Tampouco podem eles (os fatos nocivos) ser juridicamente banalizados como ‘meros dissabores ou percalços’ na vida do consumidor, como vêm entendendo muitos juristas e tribunais. (STJ – AREsp: 1260458 SP 2018/0054868-0, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Publicação: DJ 25/04/2018)
Acredito que reflexões sobre este assunto devem ser estimuladas, não apenas para a tomada de consciência dos consumidores ao seu direito a uma melhor qualidade na prestação de serviços, mas também entre empreendedores, e gestores, que precisarão se preocupar, ainda mais, com o aprimoramento da qualidade de sua prestação de serviços, pois começarão a descobrir, que produtos e serviços defeituosos podem, além de enfurecer o consumidor, causar uma bela “dor de bolso”, representada pelo pagamento de indenizações por desvio do tempo produtivo de seus clientes.
ISMAEL CRISTO é advogado do Cristo Constantino & Advogados Associados, Mestre em Direitos das Relações Sociais pela PUC/SP e professor em programas de graduação e pós graduação em Direito.
2 Comentários