Como contratar um advogado, como ser contratado como advogado.
Neste momento da história em que vem a público rumorosas operações da Polícia Federal, denúncias do Ministério em profusão, condenações de políticos e empresários famosos, ganha especial espaço na mídia também a atuação dos advogados.
A verdade, porém, é que, a julgar pela quantidade de pessoas (físicas e jurídicas) que procuram nosso escritório para reclamar de seus próprios advogados, e considerando-se, sobretudo, a quantidade de reclamações que ouvimos de nossos colegas advogados a respeito de seus próprios clientes começo a crer que já passou da hora de “discutir a relação” entre estas “figuras” que necessitam tanto uma da outra para sobreviver.
E quanto mais refletimos sobre este tema, mais constatamos que estamos diante de um problema, seríssimo que, salvo em raras exceções, tem pouco a ver com desonestidade ou má fé, mas, sobretudo, sobre falhas de comunicação que poderiam ser evitadas com alguns cuidados muito simples, abaixo enumerados:
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Comecem com um contrato de honorários escrito:
Elaborar um contrato de honorários tem pouco a ver com a cobrança futura dos honorários em caso de inadimplemento, e não tem nada a ver com desconfiança. A elaboração de um contrato que descreva, com clareza, o serviço combinado, bem como quanto e como se pagará pelo trabalho tem a grande virtude de, já no início da contratação, eliminar dúvidas, mal-entendidos que poderiam, lá na frente, azedar de vez a relação transformando clientes em inimigos.
Caso você seja o contratante e perceba que o seu advogado está encontrando dificuldades para apresentar o contrato (porque falta tempo, ou porque não acha que isto seja importante…) tome a liberdade de se antecipar e, elegantemente, oferecer a própria minuta, que não tem nenhum segredo, nem exige profundo conhecimento de Direito, ou de Contratos para ser elaborado: contrato bom é aquele contrato que todos entendem aquilo que está sendo combinado entre as partes.
Já o advogado poderá, eventualmente, temer que seu cliente se sinta melindrado, ou pressionado, mas basta explicar para ele que a assinatura do contrato é, antes de mais nada, uma garantia para o próprio cliente e uma exigência do Código de Ética dos Advogados. Caso, entretanto, você acredite que os argumentos acima são abstratos demais, diga para o contratado que, ainda que você faleça, deseja que seus sucessores cumpram, de forma rigorosa aquilo que está sendo combinado com o amigo cliente, sem qualquer prejuízo para o contratado. Ademais, a apresentação de um contrato de honorários oferece a imagem de profissionalismo e organização, ingredientes muito apreciados em qualquer nível de escolaridade ou grau cultural.
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Não alimentem expectativas exageradas
Às vezes, na ansiedade da pré-contratação, ou no entusiasmo da contratação o advogado acaba exagerando nas expectativas criadas ao cliente, quer quando afirma que se trata de uma causa ganha, quando diz que conhece boa parte dos juízes, desembargadores e ministros do país: o fato de você ter assistido a uma palestra e ter recebido um autógrafo no livro do meritíssimo não fará de você um amigo íntimo dele (até porque juiz não pode julgar a causa de amigo íntimo), nem habilitado a influenciar a decisão em favor de seu cliente.
Entretanto, o equívoco mais grave que um advogado pode cometer no ato da contratação é a promessa de solução rápida: esta promessa somente pode ser feita se depender exclusivamente do advogado, como, ilustrativamente, a elaboração de um parecer, ou a apresentação de um contrato. Caso você dependa de terceiros, e especialmente, caso haja a necessidade de intervenção do Judiciário, qualquer previsão é um insensato exercício de futurologia.
O mesmo raciocínio é aplicável ao cliente: não tenha certeza que o porteiro de seu prédio será testemunha para comprovar que seu marido praticou adultério com a aquela vizinha do andar de cima: o fato de você dar um panetone para ele no final do ano não faz dele seu amigo para todas as horas. Não tenha absoluta convicção de que seu amigo, que ainda trabalha na empresa, será sua testemunha contra a empresa: entre a amizade com você e o emprego, tenha certeza de que ele garantirá o pão e o leite da criancinhas, especialmente se estivermos diante de uma pessoa normal, portanto, não prometa para o seu advogado que trará para ele as comprovações imbatíveis caso não as tenha em seu próprio poder.
Todavia, o maior pecado que um cliente pode cometer é comprometer-se com o advogado a pagar honorários que não poderá honrar: apesar do terno bonito do advogado, e de você saber que ele tem um bom carro, acredite que aquele profissional, salvo raríssimas exceções, também necessita do dinheiro de seus clientes para pagar as contas (pessoais e do escritório) e contará com o valor a que você se comprometeu para cumprir com suas obrigações. Você não tem dinheiro para pagar o advogado? Ofereça um contrato de risco, proponha uma programação de pagamentos parcelada, mas vinculada à sua realidade financeira. Caso nada disto seja possível, não contrate o advogado.
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Comunicação é crucial
Mesmo que a notícia não pareça relevante para você, transmita-a ao seu cliente: lembre-se de que a experiência que ele tem com litígios e com o Poder Judiciário é muito rara, salvo em raras exceções evidentemente: a “praia” de seu cliente é outra e que lhe parece uma obviedade “ululante” é um enigma indecifrável para ele. Ademais, as pessoas sentem necessidade de saber o que está ocorrendo com aquele assunto que foi confiado ao seu advogado.
Na perspectiva do cliente, mesmo que, eventualmente, você acredite não ser relevante, mantenha seu advogado informado sobre seu novo endereço, ou novo telefone, ou novo e-mail. Existem situações em que o advogado necessita de um contato urgente com o cliente, pois não pode decidir tudo por ele.
Especialmente, transmita ao advogado todas as informações que possam influir no trabalho para o qual você contratou: nosso saudoso, fraterno amigo e brilhante advogado Jun Takahashi, que dedicava 100% de seu tempo ao Direito Empresarial Tributário, auxiliou uma ex-colaboradora ajuizando ação para obrigar o convênio a realizar uma cirurgia para sua genitora: descobriu, depois, através do juiz, que a senhora falecera e a “cliente” esquecera de informar ao advogado.
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Lembre-se de que “quem advoga em causa própria tem um imbecil por procurador”
Quem foi aluno do Professor Antonio Cezar Peluso na PUC, ou quem tem algum amigo que foi aluno dele seguramente se lembrará desta advertência, : Você é advogado e em algum momento necessitará dos serviços de um profissional da área: poderá optar por advogar em causa própria ou contratar alguém: ainda que você acredite que é o melhor advogado em atividade do país no momento e, consequentemente, a pessoa mais indicada para cuidar de seu próprio assunto, faça um esforço para se lembrar de algum colega de profissão (que fez Faculdade, ou Mestrado com você, que atuou como seu adversário em uma causa difícil) e se mostrou preparado e correto como o cliente dele. Ainda que você seja muito melhor que ele, prefira contrata-lo, pois acredite se quiser, o seu envolvimento emocional com a pendência tem o efeito avassalador de turvar os seus sentidos e, ainda que suas emoções sejam muito educadas, poderão traí-lo a ponto de você cometer equívocos que em condições normais não existiriam. Enxergue o valor que pagará ao seu colega como um investimento preventivo, apto a livrá-lo de terríveis dores de cabeça.
Aplique este raciocínio como cliente e não contrate sua esposa ou marido, nem seu filho, nem seu namorado (sobretudo se o seu namorado souber que você já deu uns beijos na outra parte): a ideia de contratar um ente querido pode parecer mais barata, mais confortável, mas há grande chance de atrapalhar muito o próximo almoço de domingo, especialmente se for a única hora em que vocês conseguem dialogar sobre assuntos que “você” reputa importante.
E finalmente, lembre-se daquela regra básica mencionada pelos Judeus no Pentateuco, pelos Árabes no Alcorão, e popularizada por Jesus Cristo quando perambulava entre seus discípulos por aquela Galileia sofrida: faça para o seu cliente o que desejaria que fizessem para você se estivesse do outro lado da contratação, e como cliente, proporcione ao advogado aquilo que você gostaria de receber se fosse o prestador de serviços: a chance de haver problemas entre vocês diminuirá muito, acredite.
Ismael Cristo é advogado em São Paulo, Mestre em Direito pela PUC/SP e professor de Direito em programas de Graduação e Pós Graduação (contato@cristoconstantino.com.br)
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